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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

António Marcos: o expoente da música moçambicana


Ao fim de cinco anos de trabalho exaustivo, António Marcos - o músico que começou a tocar uma viola feita de lata para afugentar macacos na machamba - ergueu o seu sétimo álbum o qual chamou de Solo & Unplugged. O novo disco transporta-nos para outra dimensão, e a sua magia está em desinquietar os ouvidos mais apurados, sedentos de uma viagem sem precedentes no “Planeta Música”.

Solo & Unplugged, eis um disco que tem alma, muita fibra e reconhece-se a personalidade irreverente do artista; ou se quisermos, o álbum que foi lançado aquando da comemoração dos seus 40 anos de carreira dá-nos um António Marcos que ainda não desistiu de fazer e oferecer boa música ligeira moçambicana. E fá-lo com surpresa (leia-se, mestria) pois encontramos nele o mais conseguido retrato da sociedade.
É sempre injusto ter de escolher o que valeu a pena ouvir (diga-se também, não ouvir) dentre os 12 temas que compõem o último trabalho discográfico do conceituado músico moçambicano. Este é o dilema que se tem quando se escuta o disco Solo & Unplugged porque, em 45 minutos (somados a duração das 12 faixas) de música acústica, António Marcos revela todo o seu sentimento e sabedoria, além do seu virtuosismo.
A obra é mais do que uma soma de temas que retratam numa linguagem metafórica as inquietações do seu actor, desde a demonstração de amor, passando pelas preocupações da vida e até às críticas de certas atitudes da sociedade. Pelo contrário, é a nostalgia de um artista vertida num CD.
O êxito “Maengane” que aborda a lamentação de uma mulher a quem fora prometida mundos e fundos, mas que acaba por ter uma vida cheia de privações, ganha uma nova vida neste disco. E as restantes músicas como são os casos de “Haleluia Amen”, “Svamissava”, “Xikwata” - só para citar algumas -, dado ao seu grau de excelência, dão uma vontade imensurável de aumentar o volume e libertar o espírito de marrabenta que jaz em nós.
Em Solo & Unplugged, o músico apresenta-se grandioso, descontraído e profundo como nunca antes o ouvimos. “O verdadeiro António Marcos e a sua visão da socidedade é o que se pode perceber neste disco”, comenta para depois afirmar, em alusão ao seu novo CD, que um prato não necessita de muitos condimentos para que seja considerado bom: “O segredo está na escolha dos temperos certos. Eu, a minha voz e a guitarra são os ingredientes deste trabalho”.
As músicas, servidas a uma temperatura artisticamente quente, têm um toque intimista, invulgar e com uma vitalidade impressionante capaz de prender a atenção de um público habituado a outros estilos musicais. As melodias, envolventes, parecem ter sido calculadas à partida para cair apenas nas graças dos apreciadores da música ligeira moçambicana.
Mas a voz do músico aliada à sua espontaneidade em lidar com a guitarra e a um trabalho laboroso de mistura, masterização e, diga-se, produção em geral dão ao álbum uma característica peculiar e uma qualidade extremamente expressiva, uma vez que as músicas fluem como água.
Na verdade, o que este CD prova é que há um género de música (marrabenta, neste caso) que teima em funcionar, mesmo numa época marcada pela influência estrangeira que leva à fusão de ritmos e estilos musicais.
Nome incontornável quando o assunto é música ligeira moçambicana, António Marcos, embora não tenha mais nada a provar neste arte, diz com a modéstia devida que fez um disco acústico porque “quero tirar as dúvidas das pessoas de que sei tocar e cantar”.
De empregado doméstico a músico
António Marcos comemorou recentemente 40 anos de carreira, mas até chegar a esta fase muitos passos foram dados. Nascido a 10 de Julho de 1950 na localidade de Chiconela, o músico viveu à mercê do que a terra podia dar.
Aos oito anos de idade, perdeu o seu pai que também era régulo de um pequeno povoado, e, como um mal nunca vem só, os familiares do seu progenitor apoderaram-se dos bens que este deixara. “A minha não quis lutar pelas coisas que o meu pai deixou, ela confiou na enxada”, conta.
Ainda criança a sua vida resumia-se ir à escola e ajudar a sua mãe na machamba. O seu brinquedo de estimação era uma viola, de quatro cordas, feita de lata de azeite de um litro. Aliás, usava-a para afugentar os macacos que recorriam as machambas para se alimentar.
“Os macacos quando viam uma criança de oito anos não fugiam. Então, decidi fazer uma viola, fui tocando e devido ao barulho eles punham-se a correr”, diz. Mais tarde, fez uma viola maior, com uma lata de cinco litros, que lhe permitia trabalhar nas machambas de terceiros tanto de madrugada assim como no regresso da escola.
Em 1960, já contava com dez anos, o seu tio que trabalhava nas minas da África de Sul presenteou-o com uma guitarra de marca “Gallo” e foi aprendendo a tocar. A sua família, sobretudo a sua mãe, não ficou satisfeita com o presente pois acreditava que ele se tornaria boémio. Ou seja, havia, na altura, o preconceito de que todos os músicos levavam uma vida desregrada e não se casavam, razão pela qual António Marcos sempre teve de esconder a sua guitarra.
Com a 4ª classe feita, abandonou a sua terra natal em busca de um trabalho na capital do país. A 26 de Setembro de 1963, chegou a Maputo onde começou a trabalhar como “criado” - como eram chamados os empregados domésticos na altura. Mas despertou a paixão pela música quando, pela primeira vez, foi assistir ao filme “O homem do espaço”. E nas horas vagas passou a tocar a sua guitarra no jardim Dona Berta.
Tempos depois, mudou de local de trabalho. Transcorria o ano de 1970 quando a esposa do seu novo patrão, reconhecendo seu talento, pediu ao esposo da sua amiga que promovia eventos culturais no recinto conhecido por Praça de Torros de modo a abrir um espaço para ele apresentar-se.
Diga-se, o autor de “Maengane” aproveitou os poucos minutos de uma música da sua autoria para mostrar o que vale e o resultado foi surpreendente: além de dar um espectáculo entusiasmante e receber aplausos apoteióticos, ganhou 500 escudos, duas camisas, cigarros e blocos de nota.
E de seguida foi-lhe perguntado se tinha uma banda e, para se valorizar, afirmou que tinha, tendo sido colocado repto de se apresentar com a mesma nas semanas subsequentes.
António Marcos reuniu os seus amigos Aurélio Mondlane, Daniel Langa e Miguel Dimas, formando, assim, agrupamento musical que denominou “ Os Gallo Ton”, em homenagem a sua primeira guitarra. Criou o grupo Cooperativa de Teatro Popular e, mais tarde, Xiconela Ritmos e em 1986 começou uma carreira a solo. Em finais de 1999, abraçou o projecto Mabulu e afastou-se em 2005.
Um músico que já foi pugilista
É difícil de acreditar que um dos melhores músicos que já se fizeram neste país, dono de uma voz fina e inconfundível, já foi pugilista. Se calhar não, até porque, para um indivíduo que, além de cantor, é escultor, mecânico, sapateiro, pintor, desenhador de roupa de tecido e agora deseja dedicar-se à tecelagem pode se esperar tudo. “Fui aprendendo estas actividades por curiosidade”, afirma.
A sua entrada no boxe dá-se por volta de 1963 logo após ter sido brutalmente espacado por um grupo de jovens numa noite quando saia para deitar o lixo da casa onde trabalhava. A agressão física que sofreu deveu-se o facto de António Marcos não frequentar os mesmos locais que aqueles jovens.
“Havia um jovem, por sinal meu vizinho, que foi informar aos outros que tinha chegado uma pessoa de Gaza no seu bairro e que não queria se misturar com eles. Daí, decidiram bater-me”, conta.
Depois dos ferimentos sararem, o músico recebeu o convite por parte de um pugilista que o socorreu quando estava a ser espancado para treinar boxe. Não se fez de rogado, aceitou o desafio e começou a ter as primeiras aulas.
Tempo depois de muita prática, foi apresentado ao clube do Ferroviário, mas, segundo as próprias palavras, “o boxe que se praticava era muito fraco, portanto, decidi ir à Malhangalene porque ali havia grandes pugilistas e a maioria já havia ganho um campeonato”.
Em 1967 foi mascote do ring e no seu escalão não tinha adversário. No fim de 1969, foi campeão nacional de boxe, facto que se veio a repetir em 1971.
Mais tarde, verificouse uma paragem prolongada do campeonato durante cinco anos, tendo novamente assistido-se a uma interrupção de quatro anos. Em 1980, voltou a realizar-se o campeonato onde acabou por ser mais uma vez campeão pondo o fim à sua carreira de pugilista para se dedicar à música.
Hoje, com 60 anos de idade, a data de nascimento que aparece no bilhete de identidade não é relevante, pois António Marcos expele muita vitalidade, sobretudo na sua vibrante e entusiasmante maneira de dançar.
É, sem dúvida, um dos mais internacionais artistas moçambicanos, afinal, já actuou em mais de 20 países dos quatro cantos do mundo. Recentemente, esteve na Etiópia onde foi convidado para actuar numa festa alusiva aos 35 anos da independência de Moçambique. A nível nacional, só ainda não deu espectáculo na província de Niassa, mas, garante, que dentro deste mês isso poderá acontecer.
Diz que não ganhou muito dinheiro no mundo da música, mas o suficiente para sustentar a sua família e salienta ainda que continua na música, não porque está à procura de sobrevivência, pelo contrário, sente que nasceu para esta arte.
Com oito filhos e doze netos, quando o questionamos se se considerava também “rei da marrabenta”, a resposta surge num tom de pergunta carregada de modéstia: “Por acaso os presidentes elegem-se a si próprios ou são eleitos? Na verdade, os reis são as pessoas que consomem a minha música”.

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